domingo, 29 de junho de 2008

Gêmeas certezas (poema de incerteza)

Rogo, diga que não me queres;
Que, de em tudo o que me feriu,
Propositadamente feres.
Tanto se fechou, pouco Abril,

Que abriu-se; dê-me a certeza
De que em cada delito feito,
Em que me mataste em tristeza,
Me quiseste morto no peito.

Sussurra-me, então, tão segura
De que desta palavra dura,
Deseja somente ser não;

Diga-me que tudo foi vão,
Que nada quiseste assim,
Que teu medo foi dizer sim.

Diga-me, que ainda está acesa,
Pra não se estar ao escuro afeito,
E que a esperança não está presa
A cair-se de um parapeito,

E que à vertigem não caiu.
Diga-me, que a dor que me impeles,
Que a doer-se, não se viu.
Rogo-te, diga que me queres.

Reencontro

A bruma espessa que atraiçoa a chama
- a névoa que ora surda e clama
a tua ausência, em minhas mãos, o gesto vão de abarcar as tuas...
Rasgou-se para mim o hábito do infinito;
meu desejo aqui convulso e preso,
tanto sedado pelas estâncias baldias interpostas entre nosso capricho,
ou desejo projetado como simples dança,
em que nossos lábios gesticulam juntos.

Como a distância avança
e eu continuo rastejando por uma trilha ainda não aberta,
que me levará a qualquer lugar ou lugar nenhum...
Lembrar-me os teus beijos,
como seixos que percorrem o meu leito de rio que só quer seguir,
e nasceu contigo junto e agora só espera encontrar-te foz...
Eu tantas vezes culpado de assentir, quando tudo o que fizeste foi calar.
Tanto foi tudo, o que não disse; tanto seria o que dissesse...
Quando te revi, teus cabelos ávidos por gravidade,
minhas mãos ávidas por amparar, permanecemos firmes
e enrijecidos como duas miragens que não se olham...
Dois delírios desérticos em que ambos os viajantes morrem de sede...
Meus pensamentos gestavam ansiosamente o carinho,
e neles tua pele desejava-se tão irremediavelmente veludo...
Repousei como recôncavo de desamparo uma fadiga que encontra apoio até num precipício,
e meu amor precipitou-se novamente como uma chuva de verão engendrada no inverno...
E o veredicto final da realidade foi tornar-me inabsolvido réu e tua presença,
tua presença docemente algoz; a realidade quis-se pai que envenena o filho...

Espero que possas tanger-me este desejo como vida extirpada do meu organismo,
espero que possas recorrer-te sonho e alegar-te como prerrogativa...
Pois tudo é tão vulgarmente típico que aguardo-me a ti como alternativa difícil
de que nem todo o destino é pra tornar-se incomensuravelmente desatino,
e que nem todos nós tenhamos que morrer tão sãos de ceticismo, lúcidos de ver...
Porque meu desejo, apavorado, viu-se confuso e alforriado
e tantas vezes em que pôde fugir, tantas vezes foi que correu de volta para ti...

Canção de auto-vitupério

Vitupério! Matéria-prima ao pranto;
O choro concatena a chuva e chove
Espesso - reflexivo arremesso imove
Luto e re-luto; o silêncio é meu canto.

Cantei-me e, réprobo, ser; um ser tanto
E pouco. Sempre há tão pouco, nove:
Me remeço e ar remeto a mim e move
Ao zero; zênite o que fui, no entanto,

Acre o que o sou, nem tanto; talvez nada.
Nada, isto é nada. E flutua no fundo,
O que é naufragar, imersa a gargalhada.

Cremar! Depurar sem tocar o imundo,
NÃO é mundo, é cantar-se; a voz parada.
Isto é vituperar-se! SIM! Afundo!