sábado, 21 de julho de 2012

porque é antes tarde

idealize um embrulho que você possa rasgar.
agora,
desenlace a fita,
porque eu não quero soar rude.
a dedicatória pode ser
a sua memória favorita.
o presente, é claro,
teria sido surpresa,
porque já não é.
a sua campainha tocaria de repente
e eu pediria que você
vestisse suas melhores esperanças
e aceitasse as flores que eu nunca te dei.
o sol poderia prometer que anoitecéssemos à mesma hora,
quando amanhecesse, eu te presentearia com
uma certa preguiça de acordar e
alguma familiaridade nos sonhos.
do poema, eu gostaria de prometer
toda a fluência da mentira,
já que não haveria sentido em se imaginar do que é e
a língua, que eu pudesse supor que fosse apenas uma.
e da ocasião
eu só queria poder jurar que fossem muitas

A tempo

Se é você porque não se deve
pedir conselho a uma canção de amor,
e porque não se deve
esperar respostas do espelho;
por quais quiser motivos
a distância não precisará supor enredos
e do que se inventará o mundo
se não de narrativas tristes?

Pois que não me fosse dado distinguir quem sou,
tudo o quer que fosse daria ainda por falta tua
e à fronteira, tanta por
constituída saudade,
faria paisagem da tua ausência
por delírio da memória.

Quando pode ser que o sentido se faça atrasado,
já não será que teremos perdido a capacidade
de distinguir esperar de sofrer
e o infinito de tanto?
É tempo.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Praticamente

Dos desejos que se me ofereceram,
optei pelos mais vulgares
porque primeiro é preciso crer nas coincidências e estrelas cadentes.

Pratiquei o esquecimento como forma de desapego,
pintei da memória paredes, em sua maior parte, brancas,
julguei pertinente sofrer e ensaiei rigorosamente a morte por todas as minhas noites de sono.

Para que todos os dias pudessem passar,
foi-me preciso supor dificuldades em passarem-se e
imaginar que o aprendizado faz do passado uma mentira
e do futuro uma certeza.

 E como todos os que desejam são afeitos ao impossível,
a pretensão de sentido me suscitou uma predileção inconfessa pelo absurdo.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

palavra feito coisa

chove como chuva.
no insulamento da marquise
há uma propensão íntima ao tabagismo,
uma intimidade velada em se compartilhar a sombra
contra a luz dos postes de rua.

ele mente.
a mentira é sedutoramente física,
facilmente coisa feito abraço, fato, laço;
e ele escolhe um guarda-chuva.

chove, de novo
(é que continua chovendo).
o guarda-chuva vai se entortando verdade,
por necessidade.

está tarde.
o tempo tem passado como nunca,
como sempre.
aquilo do que sobra ser real são roupas encharcadas,
a promessa de um guarda-chuva ali adiante,
a possibilidade de um abraço agora.

à noite, é difícil distinguir a solidão do frio,
porque tudo está escuro e
simples.
todo abraço é, afinal, uma questão de sobrevivência,
ela concorda.
é que ninguém pode viver só.

a chuva cessa
(e nas roupas continua chovendo).
a tempo, todo o guarda-chuva se torna uma toalha,
é verdade.
as toalhas são abraços solitários.

domingo, 18 de março de 2012

não há de que

Antes que você me diga sua rima favorita,
verdade seja dita,
não há nada que eu possa fazer.

Mesmo você sendo tão bonita,
tendo um quê de ma chèrie,
diz-se por aí que não há por que
se rimar sem ter um buquê
de flores em mãos,
algumas dores no coração
e algumas sobras de si pelo chão.

Os poetas, ma chèrie,
somos todos maus atores
mas, quem sabe, se a televisão a cores
parar de funcionar
e você quiser prestar atenção em mim
a dedicatória pode não ser suficiente,
a memória pode ser demais recente,
e o tanto pra trás pode atrapalhar o que está pra frente,
e pior,
a sua xícara de chá pode já não estar tão quente,
mas você pode me dizer sua rima favorita
e eu posso dizer mais do que o quanto você está bonita,
de novo, pra te convencer,
de que não há nada que eu não possa fazer.