quarta-feira, 23 de julho de 2008

Esqueço-me, parado, do outro lado de um espelho quebrado
- Conscientemente reflexo, reflito;
indago meus passos de hesitar caminhos conhecidos,
percorrer desvãos sem quedas,
largar-me a ventos impossíveis não por frios, mas insensíveis;
argumentando com os céus sobre certezas de chuvas.

Ralento meus passos, estremeço diante de um clímax repetido por memórias.
Rachado nas lacunas do espaço que acomodam cadências alheias,
meus passos valsam êxtases de ontem,
fadigam-se por corridas corridas
e vangloriam-se de nenhures pensarem-se então
e repensando-se se repetem, renegando-se.
Vago no outrora
- Meu pensamento indiferentemente uma calçada fresca de cimento,
e ando olhando para cima, redarguindo com o tempo.
Livre, no desforro do tempo,
todas as calçadas estão conspurcadas de meus passos.
Revolvo perjuro nas buzinas dos carros,
flerto com o silêncio como se me sorrisse de ontem,
roubo sentido às coisas, apego-me em rir-me
à irrelevância de tantos nomes despropositados,
e desatino-me em lágrimas pela coloração do asfalto.
A memória pouco a pouco toma-me de assalto mais frequente,
tecendo-se como quase contínua, como quase presente.
E vai galgando-se até a hora em que nem sequer minha rua
será mais minha.

Destro

Esquecer fazer: se de dolo o é deixar
Futuro me carranca, peço
Passado-o, face minha da, faço
Branco: em brinda-me futuro - que o é calar!

Espanto-o! E cronologia à crase
Imprecisa e homogênea textura, lembrança
Possível ao presente, o posterga: vingança.
Semântico vácuo, o redunda que em frase:

"É o nunca, presente. O seria futuro."
Plausível o reduz, recordação
Negro inefável da maldição,
Enegrecido presente do vidro obscuro.

Descri que ao rumo, vivi o vivo.
Passado do, solidez a resta - porvir
E distância-a incapaz ao remir
Esquecer permite o que, alitivo.

Soneto de um verso só

Todos os dias parecem-me o último
E cada verso parece meu último
(Sensação que se dá quatorze vezes
Em um soneto, onde sentem-se os trezes

No lapso entre cada verso e seu último).
Todo o amor pareceu-me meu último.
E padeceu-me, último, únicas vezes
(Sete! E ainda trespassam-me os trezes!).

Quis fazer-te um poema, mas dispunha
De uma única forma; uma única folha;
E apenas um último verso, eu supunha.

Um último soneto; um último verso
De papel em branco que 'inda me olha.
Eu te amo! - E incompleto o verso...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

As três cores do vento

I. A transparência

Nuvem, serpente súbita do céu,
a vagar pela simples sutileza;
som que sussurra ao lírio a tristeza:
o vento silente

A luz, vazamento vorpal do sol,
vela no escuro e viceja no branco.
Vê, vidência! e avante o verde manto:
o vento vacante

E a natureza, o exaurido zênite
do fazer-pintar. Beleza dizer
é ser do vento. Seu soprar, prazer:
o vento distante

Ser, só se ao se ser é sentida a brisa
e então somente a brisa-sente e sopra;
ser vento e verso. A consciência recobra
o vento silente


II. A transparência

ve le geiro
nto passa
te pido gem
nto passa
ve le geiro


III. A transparência
Tremeluz a luz; um pleonasmo estagnado.
O vento trespassa suas madeixas
que não sangram e nem caem,
e nem tampouco o vento para.
Os páramos da visão: as estepes
transbordam a natureza,
porque as folhas oscilam;
e se oscilam ao vento, soam;
e se soam e oscilam, farfalham.
Mas não faz diferença.
Mesmo que não equacionasse o farfalho
ainda assim as folhas farfalhariam.

Ventar é como que respirar.
Uma expiração e inspiração dos pulmões da natureza
O vento acaricia a paisagem
(toda carícia é um dinamismo,
como a cor branca no pano)
Sem o vento a planície seria previsível
como a luz, ou um pântano escuro.
Algo que previsível porque estático
e porque estático, morto,
e por conseguinte incompreensível.

O vento pretérito é uma corda arpejada
que não mais soa, mas que se sabe
que soou porque ainda treme.
Como as pétalas murchas
de uma flor que, por isso, outrora vicejou, como o sol
obscureceu o frio e abandonará o calor.

Há um ditado nos mares:
"A calmaria é a ausência do vento."
Jamais o contrário.
Seria definir um lago
pela ausência de ondas.

Seis horas (devaneio bucólico)

Sinto-me de som sinfônico e corro
Pra dentro e fora, como às seis em ponto;
Opaco da hora - a bruma abraça o morro.
Sinto-me suspenso só e me conto

O infinitamente livre do desforro.
Adejo, penso-me pesado e pronto
– Se toda a mobília está sem forro,
E eu sinto a náusea e tudo sem estar tonto,

Divirjo-me, sóbrio e ébrio de me estar;
Entre espargir-me, orvalho de afagar
A paisagem de se estar esperando;

E a impaciência estanque de si
Tanto eu, tanto que me vi e ouvi.
Olhei-me pra paisagem me encarando...

Água aguardar

Aguardar um verso, a calmaria
Indefinida até que um espelho d'água
Reflita algo preciso como a mágoa,
E ora vago como uma sombra pia.

A tempestade. A imagem; felonia.
Intermitência, simbolicamente a praga;
Luz a perder-se. Metáforas mais vagas.
É necessário preterir, queria.

Recorre-se aos distúrbios no oceano
como símbolos ordenados num plano.
Aguardar um verso torna-se um verso.

Meditar é tornar do porvir
O presente. Da hipótese auferir
A tese. Ter da metade o terço.