quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Minhas cicatrizes estão no teu corpo,
porque o eu estar morto está exposto
menos em mim do que está no teu rosto.
Encontro um álibi no teu conforto

- crer que teus olhos não são mais meu porto
e perco, meu 'spírito indisposto
p'ra acordar e ver o sol meio fosco
p'ra raiar ou p'ra morrer, não me importo!

Minh'alma não consegue nem transpor
um círculo imaginado no chão,
que está à noite qual sol p'ra se por...

Mesmo que o acaso me diga não
há como alguém superar seu círculo
se atravessá-lo é dar a si perdão?

domingo, 21 de dezembro de 2008

Constância

Conviver no que há um momento em que se entende o tempo
como ter-se transcorrido,
quando coincidências absurdas convêm
ao acaso tão naturalmente,
postas como superficiais
nas tuas mãos rudemente partícipes de metáforas,
artífices íngremes contra o vidro vazado,
verdes
ásperas de implausíveis mas tão confortavelmente presentes.

A constância dos repentes...
surpreender-se pelo conhecido,
transitar indiferente pelo desconhecido
no íntimo detalhe palpável de ter-se tocado,
em que é estranho da memória o haver sido
Do afeto vulgar do tato,
Como se expiar a vontade pecado a tornasse pura,
so(m)bras desamparos em formas frias de carinho,
porque não há dor mais sublime do que ser amado tão impessoal.

É como o assédio ingênuo
transpõe o abuso numa forma de ridículo
comiserável

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Sofro, porque para mim amar-te é ousar
Sofro, porque para mim agir é errar
E todos os meus desejos tem um sabor absurdo de sonhar.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Há clarões vagos no pano da cortina
- Minha retina destece novelos fáceis
Por imaginados, com matizes táteis.
Linhos de luz escurecem qual toxina

De por possível se livrar; não da dor.
Pálpebras ponderam contrastes em nada,
E esquecem a luz, à sombra iluminada.
A visão não vale a luz que a faz ver, por

Quase-receio de olhar. E 'inda a cobiça,
Como se se pudesse ouro, submissa
À vontade de coincidir-se com o ver.

As mãos tateiam a matéria estirada,
Em estrias-fantasias, qual fato em farda;
E esquecem-se que tem ouro em seu poder.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Psicoglifo

Saboreio a solidão gritando para todos
desde que não haja ninguém para ouvir.

Os gritos são contornos delicados do silêncio,
que o ocupam vazio consigo mesmo;
Impor perguntas é uma virtude do silêncio
Portanto, quando estou falando sozinho não estou buscando respostas,
estou evitando perguntas.

A perfeição do movimento é o repouso,
como a fragilidade da porcelana aguça a sensação do tato
e nos tolhe de quebrá-la.
A repetição nos acolhe como se estivéssemos parados
e a ética da constância me impede de ser repentino.
E tudo será sempre o mesmo...

Cumpro os dias como solenidades,
privo os momentos com previsibilidades,
e sacio as expectativas jejuando de mim
fardado a morrer de razões condecoradas
sob o sol rajado de uma salva de tiros
soando a inevitabilidade das coisas caindo
quando todos os homens estiverem de joelhos
e todas as balas estiverem no chão...

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Fatualidade

Quantas vezes me quiseste metafórico e sutil?

E na tua presença me acreditei inútil,
ainda que não houvesse sentido em utilidade;
porque dizer era o mesmo que cantar
e não haveria o que dizer
mas solterar encantos e sussurrar fascínios
- inefavelmente inscritos na alma.

Compartilhei os teus segredos com meus medos
e pouco me contentava convir-me forçosamente ao silêncio,
conformar teu rosto ao pranto em fantasia.
Me afeiçoei a perceber-te
através de um desfoco quimérico
em que não importa mais o que é do outro lado,
porque o outro lado não houve.

O que há é somente o estares do lado inacessível,
mesmo que estejas ao meu lado,
pois minha ficção é uma teratologia de medos e desejos que escondi sob meus olhos
e clamo, súplice, como reais para que não sinta os espinhos que me ferem,
ou tenha medo de que estes espinhos possam ser teus dedos,
feitos ameaças por mim.

E sigo perseguindo meus passos,
calçando feridas aos meus pés,
negando tempo às minhas cicatrizes,
me impondo necessidades para andar,
porque prescindir de amparo é ter de seguir.

A condição dos meus passos são violetas violentadas pelo caminho
e a condição desse meu caminho é eu estar sozinho...
E então me sinto afeito a recorrências na paisagem,
como a dinâmicas de humor em dias nublados;
e vejo que a condição de meu destino
é ser sempre circular.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Cabais acabados

A consagração de todos os versos são ninguém
A percepção são simetrias comedidas de acontecer,
crimes fugazes, cores fúteis no jardim
A verdade são pinceladas cegas e alheias na paisagem,
certezas diante do passado, padrões viciados
O vento são ornatos podres, flores fúteis,
o tempo mentindo passar nas perfeições do desgaste,
feições figuradas, retratos falados do destino
O futuro são frustrações na vitrine, vitrines vazias;
as frustrações são o estar vazia, vazias, de vitrines
O movimento são incertezas palpáveis, pálatos embotados
o perder-se, inconformidades em ato para lugar nenhum
O fim são sutilezas súbitas, continuidades impossíveis,
nexos implausiveis de esperança, lapsos de consciência,
lapsos de consqüência, desmaios repentinos em mudanças...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Cinza (suspiro poético)

Todo o poema tem a ilusão de que diz algo que não foi dito
de dizer que toda a gota de chuva
[é uma onomatopéia para uma lágrima cadente dos olhos de um amor angustiado, um céu sem nuvens vazio como um lampejo lépido e lugente

Todo o poema de amor tem a ilusão de dizer que ama, que foi feito para ti, o que é dizer a mesma [coisa, porque todas as coisas são um ou uma, tanto faz
e eu tão distante de ti, afastado pela unicidade da consciência da qual discorda a parte
discorde de mim, e nem peço que recordes, nem tampouco um simples acorde com que toquei [minha alma comigo mesmo sem que o tato nos unisse em ti,
numa valsa incompleta onde baila tudo, e onde não sou teu par, mas qualquer rarefação da [existência, escassa como as estrelas à noite
em meio
a alma sempre uma metade sem metade, e que, no entanto, não portanto, não se faz completa
não direi, não diga. Não deve ser dito
que te amo, pois te amo acima da asfixia da vergonha, agora que já estou morto, e já estava
Não deve ser dito
porque já foi dito e repetir e reafirmar é reafirmar que o tempo existe, e não há maior tolice do [que o tempo ou a distância,
talvez estejamos eternamente distantes e esqueças a eternidade pois a ausência de tempo não é [uma sucessão de frases com vírgulas que se lêem conforme o tempo passa

tudo já foi lido
Não há diferença em ter sido escrito, pois já terá sido lido como a ignorância da flexão verbal, [maldita inflexão do corpo como uma superfície do espírito irremovível
eu já te amei e amo por toda a vida, esta espécie de vazio sentimental que se preenche contigo, e [que no entanto nunca vi transbordar.
Tu não me amas
E nem amou ou amava, ter sido amado é a mesma coisa que algum dia sê-lo
não me perguntes, não há perguntas quando se crê cegamente em todo o tipo de crença, o [ceticismo ou o amor
e eu já descri do que poderia ser descrido ou descrito, a tua descrição poderia ser ou não ser um [clichê qualquer mas também não faz diferença
pois tu és unicamente tu, querida, minha amada que não direi imortal pela repulsa à pleonasmos. Tolo quem o disse
pois foi quem amou sem jamais entender a si mesmo ou a quem amará
e todo dia retornarei à irrelevância de existir, como um dançarino sem par opresso pela música [que o impele a dançar
Por que não dancei?
Por que o universo é uma ciranda plangente?
eu desisti de reler o revisto e revisitar, sempre revisitaria ainda que me custassem polegadas ou [quilômetros sem medida, a medida do teu olhar, o teu olhar como um crime consentido, não por [que a vítima não sofra mas por que sofre em silêncio
Não ter sido convidado é receber um convite irrecusável não por não ter discernimento mas por [não decidir como possuir nosso livre-arbítrio sem ser um mártir e todos somos
embora não concordemos e eu não sou o todo sou apenas uma parte, não um porta-voz rouco [é como existir, é como não te ter, . não ter sido tido nem não tampouco superar a posse o [meu o nosso o teu, Vossa Excelência
eis tudo o que é vil, olhe pela janela, diga o que já foi dito (em silêncio)
(nada se move)
As estrelas - Rútilo o vinho rubro que palpita o sangue a evaporar como a cartarse do éter!
Silêncio.
(o céu não se move)
Nuvem - Que me firam as estrelas, perdi tudo desde o poder chorar na impessoalidade da chuva [e a ira num relâmpago.
A justiça - O inconformismo é o casulo da sedição, um homem que descende dos homens ad [infinitum merece a ignomínia, velado como o veludo no último de meus supiros; prendam-no!
(o sol resplandece, o céu se torna limpo)
Um homem passando pela rua - Que belo dia para se ir à praia, espero que não chova!
Silêncio.
RIDEAU
Ainda existem homens felizes em dias nublados. Há ainda lágrimas em meio à chuva.
Dizer que nem tudo está perdido perdido está tudo nem tudo será fadar ao infinito
talvez
talvez nem tudo esteja perdido
Existem homens exultantes para homens tristes, não importa a proporção
Fiz eu as escolhas erradas, sempre?
Nunca tive mais certeza do arrependimento quanto do subjetivismo de gostar do verde, de te [amar e se algum dia conseguir suportar o erro, aprender dele, talvez possas tu aprender que eu [errei e reverter a tua dúvida,
tua pergunta cuja resposta foi um apelo apaixonado e desesperado como a cera derretida que [afoga o lume de uma vela.

Não existem escolhas certas nem erradas na vida, ; o problema de se viver é conviver [com as escolhas que fizemos eu e tu, quando decidimos divergir da mesma origem, na mesma [origem, pois viemos do mesmo desespero de amar.
Por quê?
Por que nada importa?
, é tudo tão simples quanto a resposta a esta pergunta cabal do universo que já foi [respondida. (morte ao tempo!)
porque eu te amo, e nem isso importa porque o que importa não importa à importância à [imprudência de dizer
de novo
eu te amo
Silêncio.
(suspiro)

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Sândalo (secante de poesia)

O silêncio seduziu-me as palavras
e o som decantou-se-me ao sentido
Nexos, fáceis amplexos repetidos
de há muito não os quis mais haver

Retratos me quiseram não querer
mais ver (de onde há, eu vejo)
E tanto ensejo brusco de dizer
ao vir contrário - só desejo ouvir

Rever, reter, reconhecer de novo
pela primeira vez; sei se em são
saúdo, vão em amargo, repulsivo

porque digo - deixem de se dizer
a si queixem, quero ser - sou soar
som se se esqueçam do que há
(...) aqui.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Subindo uma avenida (ficção parcial)

Conjuraria a antinomia entre som e ser
à antípoda do contraste e da cor.
A cor-pálida e o rubro rubor,
que não possui em si o alvorescer,
ou seriam isto ou seriam
a onda na falésia, olhos que faíscam.

Então a minha alma regeria
(como uma artéria pusilânime
que se espraia no chão e do fino flume
evoca toda a tempestade) uma sinfonia!
Mas todo o ar convulso
não passaria de uma brisa, dum impulso.

Quebrei os Frascos. As vozes, os perfumes
se embaraçam às nuvens, etéreos fiumes
e decantá-los me lancinaria o vinho
e a cor-vinho; precisaria os tecidos e o linho!
O preto, essência de todas as essências,
que repousa como uma Absoluta Consciência,
retornaria à congênita insuficiência
das cores primárias, presenças sozinhas.

A profusão do preto: a correspondência
entre o girassol, o sol, a cadência
de um dia e, excluído, o amarelo.
Um homem que fosse taumaturgo, desvelo
as carícias visuais de um mirante:
a torre isolada da poesia, do distante.

Vede toda esta minha prole doentia!
É a ciência parturiente da poesia!
Insisto no panteísmo tonal do preto,
ó cônjuge infame do traço reto
que risca ao infinito a razão.
(Um simples retoque: a imprecisão).

Nas oscilações mudas do contínuo
a atenção, como o laivo som dum sino,
entoa o rejuvenescer do Tom
a um sentido que transcende o bom:
ao esboço original em que o poeta visa,
nos arabescos, a potencilização da Monalisa!

A estrutura que sorve do som a Vida;
a semântico-sintaxe vogal vezes repetida.
O poeta a vê argila, líquida
- a perda de sede que torna a água insípida
é a verdadeira distorção do significado,
este altar poético vilipendiado.

Nunca perdida, o tecido da argamassa,
o sustentáculo da embriaguez, a taça.
Por mais que a carne escamoteie
a tíbia tíbia e a permeie
é impossível renegá-la - ato fugidio
-, senão como da vida o faz o suicídio.

A crise, um trauma - a fratura da alma
- o movimento rotatório de uma palma
que circunscreve um palmo. Pauta.
O descrédito do poeta, quando falta,
na iluminura imaginária do seu céu
o dissídio sádico de um escarcéu,
e a frieza de um peristalta.
No bojo da inspiração jaz o suspiro.

O ínterim que, exausto, se acomoda
na lacuna entre a sinestesia do tato e a roda.
E no vagar que é o tédio entre a noite
e a hora, repousa - um estendido chicote
- o limbo entre o poeta que poeta
filosofia, não filósofo-intermediário-esteta.

Além do horizonte, há um precipício,
onde, não houvesse fim, não haveria início.
As nuvens, os céus e os prédios
se amalgamam à percepção então vazia.
A nebulosa, astro que animalescamente cia,
faz da estrela - como o olho à lágrima - o tédio.

Morte, ó Morte, joguete celestial,
tua causa é o arrependimento universal!
Fui-aí, como um vale de avenida
em que convergem os afluentes
de uma miscelânia de líquidos comburentes!
Dois-dois rios, a Terra erodida!

O lume, reflexo do sol em lâminas,
no metal, matéria fosca, anima
as cores garridas do Nó Górdio.
Acuda-me o sabre; dêem à ciência
todas as fórmulas da paciência!
Ei-lo aqui (ó, sabre!) num exórdio.

Meu sabre perderia o fio,
se, poeta-vândalo arredio,
todo atado nó que num alexandrino
visse, logo, e alexandrinamente,
partisse. (Hemorragia à mente,
à solidão histológica do intestino).

Quando me interrompeu o sono noctâmbulo
(a vaziez da alma, a ausência de preâmbulo)
que espirrava os projéteis,
versos astutos, palavras brutas
e a dissimulação da mágoa arguta,
a estupidez do som externo; sons estes, débeis.

Uma mortralha cor-catarse,
da crueldade da decomposição, disfarce.
Uma alma finalmente veria a luz,
pois a treva não é vista, pensei.
Repouso; indiferença, por ti velei.
Poético seria ao luar de um pátio andaluz.

Talvez aí me importasse. Dizer,
não saberia; só me restava crer.
Lembro-me do som, recordo-me, sim,
gritou: " Cuidado!"; o som seguinte
foi uma condensação de vinte.
Cheguei ao destino. O destino tem fim?

Descendo a avenida (ficção dual)

Como os pensamentos - sons de sereias
Ecoam como sirenes - meus pés
se ordenam em passos - vozes, revés
Vezes; vezes passos - pelos que à meia

Luz passam: isto sim uma lauta ceia,
Pensei - só as palavras mais e até;
Perdi o aceno, o homem entrou na Sé.
A alteridade e a alma meneia.

Pus-me a falar - o choro dos chacais
Do homem, o choro do homem -, faz
Só um instante, comigo mesmo

- Vermelho, pulso, verde -, se, de fato,
O tempo passa. Respondeu o eu cognato:
"Impossível". - Começou a água a esmo.
Chuva...

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Esqueço-me, parado, do outro lado de um espelho quebrado
- Conscientemente reflexo, reflito;
indago meus passos de hesitar caminhos conhecidos,
percorrer desvãos sem quedas,
largar-me a ventos impossíveis não por frios, mas insensíveis;
argumentando com os céus sobre certezas de chuvas.

Ralento meus passos, estremeço diante de um clímax repetido por memórias.
Rachado nas lacunas do espaço que acomodam cadências alheias,
meus passos valsam êxtases de ontem,
fadigam-se por corridas corridas
e vangloriam-se de nenhures pensarem-se então
e repensando-se se repetem, renegando-se.
Vago no outrora
- Meu pensamento indiferentemente uma calçada fresca de cimento,
e ando olhando para cima, redarguindo com o tempo.
Livre, no desforro do tempo,
todas as calçadas estão conspurcadas de meus passos.
Revolvo perjuro nas buzinas dos carros,
flerto com o silêncio como se me sorrisse de ontem,
roubo sentido às coisas, apego-me em rir-me
à irrelevância de tantos nomes despropositados,
e desatino-me em lágrimas pela coloração do asfalto.
A memória pouco a pouco toma-me de assalto mais frequente,
tecendo-se como quase contínua, como quase presente.
E vai galgando-se até a hora em que nem sequer minha rua
será mais minha.

Destro

Esquecer fazer: se de dolo o é deixar
Futuro me carranca, peço
Passado-o, face minha da, faço
Branco: em brinda-me futuro - que o é calar!

Espanto-o! E cronologia à crase
Imprecisa e homogênea textura, lembrança
Possível ao presente, o posterga: vingança.
Semântico vácuo, o redunda que em frase:

"É o nunca, presente. O seria futuro."
Plausível o reduz, recordação
Negro inefável da maldição,
Enegrecido presente do vidro obscuro.

Descri que ao rumo, vivi o vivo.
Passado do, solidez a resta - porvir
E distância-a incapaz ao remir
Esquecer permite o que, alitivo.

Soneto de um verso só

Todos os dias parecem-me o último
E cada verso parece meu último
(Sensação que se dá quatorze vezes
Em um soneto, onde sentem-se os trezes

No lapso entre cada verso e seu último).
Todo o amor pareceu-me meu último.
E padeceu-me, último, únicas vezes
(Sete! E ainda trespassam-me os trezes!).

Quis fazer-te um poema, mas dispunha
De uma única forma; uma única folha;
E apenas um último verso, eu supunha.

Um último soneto; um último verso
De papel em branco que 'inda me olha.
Eu te amo! - E incompleto o verso...

quarta-feira, 2 de julho de 2008

As três cores do vento

I. A transparência

Nuvem, serpente súbita do céu,
a vagar pela simples sutileza;
som que sussurra ao lírio a tristeza:
o vento silente

A luz, vazamento vorpal do sol,
vela no escuro e viceja no branco.
Vê, vidência! e avante o verde manto:
o vento vacante

E a natureza, o exaurido zênite
do fazer-pintar. Beleza dizer
é ser do vento. Seu soprar, prazer:
o vento distante

Ser, só se ao se ser é sentida a brisa
e então somente a brisa-sente e sopra;
ser vento e verso. A consciência recobra
o vento silente


II. A transparência

ve le geiro
nto passa
te pido gem
nto passa
ve le geiro


III. A transparência
Tremeluz a luz; um pleonasmo estagnado.
O vento trespassa suas madeixas
que não sangram e nem caem,
e nem tampouco o vento para.
Os páramos da visão: as estepes
transbordam a natureza,
porque as folhas oscilam;
e se oscilam ao vento, soam;
e se soam e oscilam, farfalham.
Mas não faz diferença.
Mesmo que não equacionasse o farfalho
ainda assim as folhas farfalhariam.

Ventar é como que respirar.
Uma expiração e inspiração dos pulmões da natureza
O vento acaricia a paisagem
(toda carícia é um dinamismo,
como a cor branca no pano)
Sem o vento a planície seria previsível
como a luz, ou um pântano escuro.
Algo que previsível porque estático
e porque estático, morto,
e por conseguinte incompreensível.

O vento pretérito é uma corda arpejada
que não mais soa, mas que se sabe
que soou porque ainda treme.
Como as pétalas murchas
de uma flor que, por isso, outrora vicejou, como o sol
obscureceu o frio e abandonará o calor.

Há um ditado nos mares:
"A calmaria é a ausência do vento."
Jamais o contrário.
Seria definir um lago
pela ausência de ondas.

Seis horas (devaneio bucólico)

Sinto-me de som sinfônico e corro
Pra dentro e fora, como às seis em ponto;
Opaco da hora - a bruma abraça o morro.
Sinto-me suspenso só e me conto

O infinitamente livre do desforro.
Adejo, penso-me pesado e pronto
– Se toda a mobília está sem forro,
E eu sinto a náusea e tudo sem estar tonto,

Divirjo-me, sóbrio e ébrio de me estar;
Entre espargir-me, orvalho de afagar
A paisagem de se estar esperando;

E a impaciência estanque de si
Tanto eu, tanto que me vi e ouvi.
Olhei-me pra paisagem me encarando...

Água aguardar

Aguardar um verso, a calmaria
Indefinida até que um espelho d'água
Reflita algo preciso como a mágoa,
E ora vago como uma sombra pia.

A tempestade. A imagem; felonia.
Intermitência, simbolicamente a praga;
Luz a perder-se. Metáforas mais vagas.
É necessário preterir, queria.

Recorre-se aos distúrbios no oceano
como símbolos ordenados num plano.
Aguardar um verso torna-se um verso.

Meditar é tornar do porvir
O presente. Da hipótese auferir
A tese. Ter da metade o terço.

domingo, 29 de junho de 2008

Gêmeas certezas (poema de incerteza)

Rogo, diga que não me queres;
Que, de em tudo o que me feriu,
Propositadamente feres.
Tanto se fechou, pouco Abril,

Que abriu-se; dê-me a certeza
De que em cada delito feito,
Em que me mataste em tristeza,
Me quiseste morto no peito.

Sussurra-me, então, tão segura
De que desta palavra dura,
Deseja somente ser não;

Diga-me que tudo foi vão,
Que nada quiseste assim,
Que teu medo foi dizer sim.

Diga-me, que ainda está acesa,
Pra não se estar ao escuro afeito,
E que a esperança não está presa
A cair-se de um parapeito,

E que à vertigem não caiu.
Diga-me, que a dor que me impeles,
Que a doer-se, não se viu.
Rogo-te, diga que me queres.

Reencontro

A bruma espessa que atraiçoa a chama
- a névoa que ora surda e clama
a tua ausência, em minhas mãos, o gesto vão de abarcar as tuas...
Rasgou-se para mim o hábito do infinito;
meu desejo aqui convulso e preso,
tanto sedado pelas estâncias baldias interpostas entre nosso capricho,
ou desejo projetado como simples dança,
em que nossos lábios gesticulam juntos.

Como a distância avança
e eu continuo rastejando por uma trilha ainda não aberta,
que me levará a qualquer lugar ou lugar nenhum...
Lembrar-me os teus beijos,
como seixos que percorrem o meu leito de rio que só quer seguir,
e nasceu contigo junto e agora só espera encontrar-te foz...
Eu tantas vezes culpado de assentir, quando tudo o que fizeste foi calar.
Tanto foi tudo, o que não disse; tanto seria o que dissesse...
Quando te revi, teus cabelos ávidos por gravidade,
minhas mãos ávidas por amparar, permanecemos firmes
e enrijecidos como duas miragens que não se olham...
Dois delírios desérticos em que ambos os viajantes morrem de sede...
Meus pensamentos gestavam ansiosamente o carinho,
e neles tua pele desejava-se tão irremediavelmente veludo...
Repousei como recôncavo de desamparo uma fadiga que encontra apoio até num precipício,
e meu amor precipitou-se novamente como uma chuva de verão engendrada no inverno...
E o veredicto final da realidade foi tornar-me inabsolvido réu e tua presença,
tua presença docemente algoz; a realidade quis-se pai que envenena o filho...

Espero que possas tanger-me este desejo como vida extirpada do meu organismo,
espero que possas recorrer-te sonho e alegar-te como prerrogativa...
Pois tudo é tão vulgarmente típico que aguardo-me a ti como alternativa difícil
de que nem todo o destino é pra tornar-se incomensuravelmente desatino,
e que nem todos nós tenhamos que morrer tão sãos de ceticismo, lúcidos de ver...
Porque meu desejo, apavorado, viu-se confuso e alforriado
e tantas vezes em que pôde fugir, tantas vezes foi que correu de volta para ti...

Canção de auto-vitupério

Vitupério! Matéria-prima ao pranto;
O choro concatena a chuva e chove
Espesso - reflexivo arremesso imove
Luto e re-luto; o silêncio é meu canto.

Cantei-me e, réprobo, ser; um ser tanto
E pouco. Sempre há tão pouco, nove:
Me remeço e ar remeto a mim e move
Ao zero; zênite o que fui, no entanto,

Acre o que o sou, nem tanto; talvez nada.
Nada, isto é nada. E flutua no fundo,
O que é naufragar, imersa a gargalhada.

Cremar! Depurar sem tocar o imundo,
NÃO é mundo, é cantar-se; a voz parada.
Isto é vituperar-se! SIM! Afundo!